No
calendário assinalava 23 de Junho de 1945, um dia de sábado, véspera de São
João, festivamente comemorado no Nordeste, talvez mais ainda do que hoje. Fui
levado por minha Mãe, Senhora Maria Humildes Campos Saraiva, carinhosamente
chamada de D. Marica Saraiva, para conhecer a Campeira, cuja propriedade à
época lhe pertencia. Ali chegava pela primeira vez, para conhecer a Campeira,
que, apesar de humilde como me pareceu, deixou-me deslumbrado pelo que de
atraente ali existia. Uma casa de campo singela, com pote contendo água fria e
os copos de alumínio brilhando, ao agrado dos visitantes que chegavam pra matar
a sede. O vaqueiro residente era o Senhor Cecílio Albino Farias e sua distinta
esposa Senhora Santana Albino Farias, carinhosamente chamada de D. Santa e um
casal de filhos, Luís Albino Farias, com 12 anos e o Odorico Albino Farias, com
idade compatível à minha, que completava oito anos em agosto que estava
chegando. D. Santa, com aquela hospitalidade distinta, nos aguardava com um farto
jantar, acompanhado de milho verde, pamonha, canjica, melancia, macaxeira e
outras iguarias da época, cultivadas na roça do casal, que fazia fartura de ano
para ano, agradando os viandantes que por ali passavam. À noite, a fogueira de
São João foi acesa e animada com fogos de artifícios que levamos para comemorar.
Na manhã seguinte acordamos cedo para degustar o leite de cabra ordenhado na
ora. Que gostosura! Tomamos aquele café saboroso rico em iguarias. E ainda
fomos conhecer o Riacho da Mulata de águas límpidas, que ficava próximo da casa
em que estávamos. Um pouco mais acima do Riacho, numas lindas pedras onde a
água as cobria, visualizávamos cardumes de peixes, que ziguezagueavam diante de
nossos olhos. Que maravilha! Dali fomos conhecer a Cachoeira da Campeira, uma
obra fascinante do Criador. Água límpida, fria, sedutora, ao agrado de quem nela
se banha. À época era pouco conhecida pelo difícil acesso para chegar até a mesma,
em vista da estrada precária existente. A
cidade de Alto Longá, que dista 9 km da cachoeira, era pouco visitada pela
estrada incompatível ao transeunte, que corria risco devido à péssima qualidade
da mesma, com buracos, atoleiros, pedregulhos e outros obstáculos que
dificultavam o trajeto. Minha cidade sofreu anos com a falta de estrada,
desemprego, abastecimento precário, inexistência de energia elétrica, água
encanada, saneamento básico e outras mazelas que aturdiram a nossa gente.
Naquele
belo fim de semana fomos conhecer a roça de Cecílio e D. Santa. Quanta fartura!
Quebrávamos a melancia na pedra e após comer o miolo vermelho da mesma,
jogávamos o resto fora e não fazia falta a ninguém, tamanha era a fartura! Cecílio
Albino era um homem trabalhador e D. Santa o apoio dinâmico ao fertilizante
trabalho que desenvolviam. Era uma mulher incansável. Lavava, passava,
cozinhava e na roça pegava na enxada com o vigor de quem batalhava para vencer.
Não era santa só no nome. Nessa labuta incansável, em caminho para a roça, foi
picada, em duas ocasiões, pela temível cobra venenosa jararaca, que,
felizmente, nada de pior lhe aconteceu. Assim foi a rotina de ambos, que durou
longa caminhada. A Campeira é um recanto agradável. Era a área de lazer de
maior predileção de minha dileta e saudosa Mãe, cuja memória guardarei para
sempre em meu coração. Dali por diante aprendi o caminho e sempre que podia, ia
por lá em cada final de semana e o banho na cachoeira, era de preferência
primordial. Na ida seguinte à Campeira, levei como companheiro o amigo de
infância Gilmar Freire, filho da inesquecível Professora Liduina Lima Freire, carinhosamente
chamada de D. Dudu, esposa de Antônio Freire, o prestimoso Farmacêutico da
cidade, dono da única Farmácia existente na época. O Gilmar ficou maravilhado
com a Campeira e, especialmente, com a cachoeira. No Riacho da Mulata, em cima
das pedras por onde a água passava, ficávamos um bom tempo tomando banho. E
outras vezes, pescando com garrafa de fundo falso contendo farinha como isca,
aqueles peixinhos maiores, que a D. Santa, a pedido nosso gentilmente preparava
para saborearmos. Na roça o milho verde assado ou cosido estava a nossa espera,
além do melão e da melancia gostosa, que aproveitávamos só o miolo vermelho. E
por fim, o banho delicioso na cachoeira, que nos deixava bem feliz. Certa vez o
jovem Luis Albino, corajoso e destemido, que estava em nossa companhia na
cachoeira, presenciou um Jacaré na parte mais clara onde a água se juntava.
Pediu que eu, Odorico e Gilmar nos afastassem. Cortou um galho reto, grande, de
uma árvore próxima. Fez uma ponta aguçada em uma das extremidades. Subiu na
parede esquerda da cachoeira. Mirou bem o jacaré. Lá de cima tentou enfiar a
ponta da vara no corpo do mesmo. E quando movimentou os braços com vigor, caiu com
vara e tudo em cima do jacaré, que fez um barulho estrondoso na água, nos
assustando a mim, Odorico e o Gilmar. O Luís saiu rapidamente nervoso da água e
o jacaré desapareceu aturdido com o zumbido forte que ocorreu. Foi um fato
bisonho, que até hoje guardo com saudade nitidamente em minha reminiscência.
Já
residindo em Boa Vista, depois de decorrido longo tempo, me preparei para ir de
férias a Alto Longá. Antes de viajar, num bate papo amistoso com Pedro Henrique
de Area Leão Costa, cunhado e amigo de infância, comentava da saudade que
estava sentindo da Campeira e do banho agradável em sua bela cachoeira, quando
aproveitaria para amenizá-la nos dias de lazer em que lá iria permanecer.
Silenciou por um instante e surpreendeu-me com a lamentável notícia de que a
Campeira não mais pertencia à família. E que já fazia bom tempo que a mesma
havia sido vendida. Meus olhos marejaram na ocasião, considerando que a
Campeira é parte intrínseca de minha vida, especialmente no período
infanto-juvenil e primeiros anos da adolescência. Indaguei ao Pedro porque não
tive conhecimento dessa transação. Disse-me que a Campeira havia sido vendida
anos atrás por um ente próximo da família sem o conhecimento de ninguém. E, que,
minha mãe, como uma pessoa de Deus, vendo o filho em apuros com a negociata,
ratificou a transação da venda com os olhos em lágrimas, sem que a mesma e nem
ninguém visse a cor de um centavo desse negócio. Pedi ao Pedro Henrique, na ocasião,
que sondasse do atual dono da Campeira a possibilidade de me vender a
propriedade, considerando a importância que ela representava para mim. E a
resposta foi negativa e decepcionante. Passei minhas férias em Alto Longá num
misto de alegria e tristeza que tomaram conta de mim a um só tempo. E nunca
mais visitei a Campeira. Hoje, a Cachoeira da Campeira é um ponto turístico
muito visitado pelos piauienses, principalmente os que vêm de Teresina e de suas
adjacências. ”A bênção do Senhor enriquece, e, com ela, ele não traz desgosto.”
(Provérbios 10.22).
Boa Vista – Roraima, 02 de Março de 2013.
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Dr. FRANCISCO DE ASSIS CAMPOS SARAIVA
Oficial R1 do Exército e Empresário
Titular e Dir. Téc. do Lab. Lobo D’Almada
Membro da ALB e da ALLCHE
E-mail:
ldalmada@hotmail.com
Foi um deleite ler sua postagem! Mudei para Teresina ano passado e os amigos falam muito da Campeira e marcamos um passeio para em abril eu conhecer o lugar.
ResponderExcluirParabéns pela linda lembrança!
abraços
Andressa