sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O ENSINO DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA PERSPECTIVA ÉTNICO-RACIAL: UMA BREVE ANÁLISE DA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI por Murilo de Alencar Lucena

O ENSINO DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA PERSPECTIVA ÉTNICO-RACIAL: UMA BREVE ANÁLISE DA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI [1]

Murilo de Alencar Lucena[2]









TERESINA – PI, JULHO DE 2015

A pluralidade cultural considera veementemente a valorização, e o respeito às diferenças. Não por acaso, o enfoque nas características étnicas, pautado por um largo movimento que deu ênfase a uma visão contrária à discriminação, baseadas, também, nas diferenças de classe, gênero, na sexualidade, e de um modo geral, nos aspectos individuais, e em grupo, como por exemplo, a estreita ligação quanto às crenças.
Estima-se que quase 12 milhões de negros africanos foram trazidos à força para trabalharem no continente americano, entre os séculos XVI e XIX. E este número pode ser ainda maior. A escravidão no Brasil não tardou, e já à luz dos primeiros passos da colonização, na segunda metade do século XVI – e até a segunda metade dos dezenove –, aproximadamente 6 milhões de negros desembarcariam no país para servirem como mão de obra escrava, desde às lavouras de cana-de-açúcar, até as plantações cafeeiras, abrindo uma das maiores janelas da diáspora africana.
Por razões evidentes – que têm a ver com a brutalidade com a qual a África viva foi arrancada dos africanos escravizados no exterior da África -, a imagem que se tem desse continente, elaborada carinhosamente pelo imaginário dos deportados, via de regra, foi uma idealização. Para preservar o rico legado ancestral que nos permitiu atravessar o horror de viver em estado de escravidão racial nas Américas por mais de quatro séculos, foi necessário idealizar essa África da qual tínhamos sido arrancados para sempre (MOORE, 2008, pág. 11 – 12).

As Leis 10.639/03 e 11.645/08 reflete a tentativa, ainda que breve, de uma autocorreção do estado brasileiro pelo silêncio histórico, em especial quanto às populações negra e indígena. Desde então, houve uma esquemática elaboração de programas educacionais capazes de contornar o débito deixado pelo ensino pertinente à História da África, seja no Ensino Fundamental, ou no Médio. Desta maneira, a alternativa de incentivar produções didáticas que trouxessem um debate mais pontual, e menos factual, da África, dentro do projeto pedagógico do ensino para as escolas públicas e privadas, permitiu diminuir o hiato quanto às questões étnico-raciais, tensionadas, anteriormente, pela carência de um material mais eficaz.
Durante o século XX intensificam-se as reivindicações e as demandas por educação pelos afro-brasileiros, através de suas organizações e representações politicas, intelectuais e culturais. Um dos grandes apelos à educação dos negros no Brasil veio a Frente Brasileira, a mais importante entidade negra da época, por sua duração, ações concretas realizadas e pela presença em diferentes estados brasileiros (FIGUEIREDO, 2007, pág. 117).

Desta maneira, a aplicabilidade das leis promulgaram a amplitude das temáticas extraídas através da influência dos povos africanos no Brasil, cuja ótica cultural – pela forma como suas tradições pontilharam a construção da identidade do povo brasileiro – pode ser trabalhada pelas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História, dentre outros vastos campos de atuação, como a própria Antropologia. Isto implica afirmar que, a utilização do ensino de cultura afro-brasileira não se trata apenas da necessidade de trabalhar temas corriqueiros à temática do negro no papel de escravo – por exemplo –, mas definir em sala de aula parâmetros que deem fôlego à pesquisas, e sobretudo, que permitam ao aluno a reflexão das múltiplas culturas por meio de sua conjuntura, evitando sínteses ou sincretismos.
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais pretende transformar as ações e programas de promoção da diversidade e de combate à desigualdade racial na educação em politicas publicas de Estado. Antes, faz-se necessário uma sondagem prévia entre os professores do ensino público e privado, quanto ao acesso às leis, e por conseguinte, às diretrizes, pontuando a educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Esta relação poderá revelar dificuldades e, por sua vez, apontar novos panoramas que o docente precisa encontrar para uma melhor forma de abordagem das temáticas em sala de aula, dialogando com as diferenças e não apenas pelo viés estreito das raças.
A “raça” nos incapacita porque propõe como base para a ação comum a ilusão de que as pessoas negras (e brancas e amarelas) são fundamentalmente aliadas por natureza e, portanto, sem esforço; ela nos deixa despreparados, por conseguinte, para lidar com os conflitos “intra-raciais” que nascem das situações muito diferentes dos negros (e brancos e amarelos) nas diversas partes da economia e do mundo. (APPIAH, 1997: 245).

Todavia, é preciso considerar significativo tais desdobramentos dentro da política educacional brasileira, mais evidente, no quadro atual. O organismo antirracista dos movimentos sociais que, nos últimos anos têm alcançado amplitude cada vez maiores, permite tanto professores, quanto alunos, uma constante troca de vivências num processo que sai das ruas, e ganha facilmente o universo das escolas.
É a chance de reposicionar os sujeitos dentro do objeto de estudo, e dar-lhes vozes, assim como vez. Neste celeiro, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana, vistas de perto pelo Governo – através do MEC[3] –, se pôs a fortalecer programas de formação de funcionários, gestores e outros, a fim de reforçar junto aos programas do livro didático, a inclusão dos conteúdos referentes às questões etnicorraciais dentro da história, bem como a pluralidade do ensino voltado, também, para a inclusão da temática indígena.
Dentro do aspecto de valorização do povo negro, podemos destacar a inserção de alguns artigos da LDB[4], cujo panorama destaca as políticas a serem adotadas dentro do cenário escolar, que são:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá́ o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e politica pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro- Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e Historia Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá́ o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’” (BRASIL, 2003).

Um princípio que se sobrepõe é quanto a consciência política e histórica de que, a igualdade humana, dentro das atividades dos direitos e deveres, deve conduzir à compreensão de que a sociedade é formada por um “conjunto de grupos étnico-raciais distintos, dotados de cultura e história próprias, igualmente valiosas e que, em conjunto, constroem, na nação brasileira, sua história” [ARANTES & SILVA, 2009]. Assim, podemos superar como iguais, a indiferença que ainda carrega o ensino da história no Brasil, quanto ao forte emprego que desqualifica os negros, tratados – juntamente com os povos indígenas – alheios às raízes da sociedade que se movimenta no hoje.
Nestes aspectos, lembramos que os vícios que desqualificam a ascendência dos povos, por exemplo, devem passar por algo mais do que um mero revisionismo amestrado, mas, sobretudo, por uma desconstrução analítica que preconize a crítica por meio objetivo, com o intuito de proporcionar uma ampla profilaxia dos velhos conceitos, ideias, comportamentos, e da ideologia arraigada ao branqueamento ainda perene.
Hibrida desde o inicio, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constituiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, a do conquistador com a do conquistado. Organizou-se uma sociedade cristã na superestrutura, com a mulher indígena, recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e vida domestica de muitas das tradições, experiências e utensílios da gente autóctone. (FREYRE, 2005: pág. 160)

É interessante pensarmos na África, para além dela mesmo. Sua pluralidade é uma marca indivisível para a diversidade sociocultural do povo brasileiro, e para logo, um forte ícone na compreensão de toda a miscelânea de culturas que se formou a partir de então.
Já não se pode negar a importância da temática histórica atribuídas aos estudos de cultura afro-brasileira e africana na sala de aula e, por sua vasta repercussão na construção de parte da identidade presente na sociedade que a compõe. Por este princípio, ainda que breve, reafirmamos o caráter primordial da escola, sem a qual seria impossível incentivar ações no sentido de diminuir do preconceito, revertendo séculos de exclusão e ampliando o debate equilibrado entre as diferenças, pontuando – acima de tudo – qualidade e, no que tange a aplicação das leis, sua igualdade.
Mesmo existindo, por si só, as leis aprovadas em favor de uma educação mais plena, possibilite uma mudança radical à uma realidade como a nossa. É preciso consciência histórica para dialogar com o que os eixos que podem ser mudados a curto, e àqueles a longo prazo, considerando os pontos mais tênues entre os povos, centros para uma arrancada na busca pelo contorno da visão hierarquizada do ‘branco’, tendo o negro, assim como o índio, elementos inferiores.
Portanto, embora surgindo como uma janela, espero ter contribuído para um panorama que dissolva as políticas públicas em ações menos brandas, e que possam garantir – num futuro não muito distante – a efetiva inserção de um ensino mais próximo do público discente, bem como do próprio conhecimento dos docentes, ambos conscientes, é claro, da importância que a cultura afro-brasileira possuem dentro da história, e consequentemente, daquilo que lhe calça para encurtar as distâncias das desigualdades sociais, e educacionais, ainda latentes em nosso país. 


REFERÊNCIAS
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai; A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
ARANTES, Adlene Silva; SILVA, Fabiana Cristina da. História e Cultura Africana e Afro-brasileira: repercussão da Lei 10.639 nas escolas  municipais da cidade de Petrolina – PE. In: AGUIAR, Marcia Angela da S. (org.). Educação e diversidade: estudos e pesquisas. Recife: Gráfica J. Luiz Vasconcelos Ed., 2009. Disponível em https://www.ufpe.br/cead/estudosepesquisa/textos/adlene_silva1.pdf Acessado em 26 de junho de 2015.
BRASIL. Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: DF, Outubro, 2003.
FIGUEIREDO, Otto Vinicius Agra. O movimento social negro no Brasil e o apelo à educação dos afro-brasileiros. In.: Conferencia Internacional a Reparação e descolonização do conhecimento. Salvador (Bahia): [UFBA]. Anais, 25-27 de maio de 2007. pág.117.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005.
MOORE, Carlos. A África que incomoda; sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.






[1] Trabalho orientado pela professora Maryneves Saraiva de Arêa Leão Sousa, em Teresina – Piauí [04 de julho de 2015].
[2] Acadêmico do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Piauí – 7º período. 
[3] Ministério da Educação.
[4] Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 

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