O
ENSINO DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA PERSPECTIVA ÉTNICO-RACIAL: UMA BREVE
ANÁLISE DA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI [1]
Murilo
de Alencar Lucena[2]
TERESINA
– PI, JULHO DE 2015
A pluralidade cultural considera
veementemente a valorização, e o respeito às diferenças. Não por acaso, o
enfoque nas características étnicas, pautado por um largo movimento que deu
ênfase a uma visão contrária à discriminação, baseadas, também, nas diferenças
de classe, gênero, na sexualidade, e de um modo geral, nos aspectos
individuais, e em grupo, como por exemplo, a estreita ligação quanto às
crenças.
Estima-se que quase 12 milhões de negros
africanos foram trazidos à força para trabalharem no continente americano,
entre os séculos XVI e XIX. E este número pode ser ainda maior. A escravidão no
Brasil não tardou, e já à luz dos primeiros passos da colonização, na segunda
metade do século XVI – e até a segunda metade dos dezenove –, aproximadamente 6
milhões de negros desembarcariam no país para servirem como mão de obra
escrava, desde às lavouras de cana-de-açúcar, até as plantações cafeeiras,
abrindo uma das maiores janelas da diáspora africana.
Por razões evidentes – que têm a ver
com a brutalidade com a qual a África viva foi arrancada dos africanos
escravizados no exterior da África -, a imagem que se tem desse continente,
elaborada carinhosamente pelo imaginário dos deportados, via de regra, foi uma idealização.
Para preservar o rico legado ancestral que nos permitiu atravessar o horror de
viver em estado de escravidão racial nas Américas por mais de quatro séculos,
foi necessário idealizar essa África da qual tínhamos sido arrancados para
sempre (MOORE, 2008, pág. 11 – 12).
As Leis 10.639/03 e 11.645/08 reflete a
tentativa, ainda que breve, de uma autocorreção do estado brasileiro pelo
silêncio histórico, em especial quanto às populações negra e indígena. Desde
então, houve uma esquemática elaboração de programas educacionais capazes de
contornar o débito deixado pelo ensino pertinente à História da África, seja no
Ensino Fundamental, ou no Médio. Desta maneira, a alternativa de incentivar
produções didáticas que trouxessem um debate mais pontual, e menos factual, da
África, dentro do projeto pedagógico do ensino para as escolas públicas e
privadas, permitiu diminuir o hiato quanto às questões étnico-raciais,
tensionadas, anteriormente, pela carência de um material mais eficaz.
Durante o século XX intensificam-se as
reivindicações e as demandas por educação pelos afro-brasileiros, através de
suas organizações e representações politicas, intelectuais e culturais. Um dos
grandes apelos à educação dos negros no Brasil veio a Frente Brasileira, a
mais importante entidade negra da época, por sua duração, ações concretas
realizadas e pela presença em diferentes estados brasileiros (FIGUEIREDO, 2007,
pág. 117).
Desta maneira, a aplicabilidade das
leis promulgaram a amplitude das temáticas extraídas através da influência dos
povos africanos no Brasil, cuja ótica cultural – pela forma como suas tradições
pontilharam a construção da identidade do povo brasileiro – pode ser trabalhada
pelas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História, dentre outros
vastos campos de atuação, como a própria Antropologia. Isto implica afirmar
que, a utilização do ensino de cultura afro-brasileira não se trata apenas da
necessidade de trabalhar temas corriqueiros à temática do negro no papel de escravo
– por exemplo –, mas definir em sala de aula parâmetros que deem fôlego à
pesquisas, e sobretudo, que permitam ao aluno a reflexão das múltiplas culturas
por meio de sua conjuntura, evitando sínteses ou sincretismos.
O Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais pretende transformar as ações e programas de
promoção da diversidade e de combate à desigualdade racial na educação em
politicas publicas de Estado. Antes, faz-se necessário uma sondagem prévia
entre os professores do ensino público e privado, quanto ao acesso às leis, e
por conseguinte, às diretrizes, pontuando a educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Esta relação poderá revelar dificuldades e, por sua vez, apontar
novos panoramas que o docente precisa encontrar para uma melhor forma de
abordagem das temáticas em sala de aula, dialogando com as diferenças e não
apenas pelo viés estreito das raças.
A “raça” nos incapacita porque propõe
como base para a ação comum a ilusão de que as pessoas negras (e brancas e
amarelas) são fundamentalmente aliadas por natureza e, portanto, sem esforço;
ela nos deixa despreparados, por conseguinte, para lidar com os conflitos
“intra-raciais” que nascem das situações muito diferentes dos negros (e brancos
e amarelos) nas diversas partes da economia e do mundo. (APPIAH, 1997: 245).
Todavia, é preciso considerar
significativo tais desdobramentos dentro da política educacional brasileira,
mais evidente, no quadro atual. O organismo antirracista dos movimentos sociais
que, nos últimos anos têm alcançado amplitude cada vez maiores, permite tanto
professores, quanto alunos, uma constante troca de vivências num processo que
sai das ruas, e ganha facilmente o universo das escolas.
É a chance de reposicionar os sujeitos
dentro do objeto de estudo, e dar-lhes vozes, assim como vez. Neste celeiro, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e
Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana, vistas de perto pelo
Governo – através do MEC[3]
–, se pôs a fortalecer programas de formação de funcionários, gestores e outros,
a fim de reforçar junto aos programas do livro didático, a inclusão dos
conteúdos referentes às questões etnicorraciais dentro da história, bem como a
pluralidade do ensino voltado, também, para a inclusão da temática indígena.
Dentro do aspecto de valorização do
povo negro, podemos destacar a inserção de alguns artigos da LDB[4],
cujo panorama destaca as políticas a serem adotadas dentro do cenário escolar,
que são:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de
ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se
refere o caput deste artigo incluirá́ o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e politica pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à
História e Cultura Afro- Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura
e Historia Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá́
o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’” (BRASIL, 2003).
Um princípio que se sobrepõe é quanto a
consciência política e histórica de que, a igualdade humana, dentro das
atividades dos direitos e deveres, deve conduzir à compreensão de que a
sociedade é formada por um “conjunto de grupos étnico-raciais distintos,
dotados de cultura e história próprias, igualmente valiosas e que, em conjunto,
constroem, na nação brasileira, sua história” [ARANTES & SILVA, 2009].
Assim, podemos superar como iguais, a indiferença que ainda carrega o ensino da
história no Brasil, quanto ao forte emprego que desqualifica os negros,
tratados – juntamente com os povos indígenas – alheios às raízes da sociedade
que se movimenta no hoje.
Nestes aspectos, lembramos que os
vícios que desqualificam a ascendência dos povos, por exemplo, devem passar por
algo mais do que um mero revisionismo amestrado, mas, sobretudo, por uma
desconstrução analítica que preconize a crítica por meio objetivo, com o
intuito de proporcionar uma ampla profilaxia dos velhos conceitos, ideias,
comportamentos, e da ideologia arraigada ao branqueamento ainda perene.
Hibrida desde o inicio, a sociedade
brasileira é de todas da América a que se constituiu mais harmoniosamente
quanto às relações de raça: dentro de um ambiente de quase reciprocidade
cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiências
dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura
adventícia com a nativa, a do conquistador com a do conquistado. Organizou-se
uma sociedade cristã na superestrutura, com a mulher indígena,
recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e
vida domestica de muitas das tradições, experiências e utensílios da gente
autóctone. (FREYRE, 2005: pág. 160)
É interessante pensarmos na África,
para além dela mesmo. Sua pluralidade é uma marca indivisível para a
diversidade sociocultural do povo brasileiro, e para logo, um forte ícone na
compreensão de toda a miscelânea de culturas que se formou a partir de então.
Já não se pode negar a importância da temática
histórica atribuídas aos estudos de cultura afro-brasileira e africana na sala
de aula e, por sua vasta repercussão na construção de parte da identidade
presente na sociedade que a compõe. Por este princípio, ainda que breve,
reafirmamos o caráter primordial da escola, sem a qual seria impossível
incentivar ações no sentido de diminuir do preconceito, revertendo séculos de
exclusão e ampliando o debate equilibrado entre as diferenças, pontuando –
acima de tudo – qualidade e, no que tange a aplicação das leis, sua igualdade.
Mesmo existindo, por si só, as leis
aprovadas em favor de uma educação mais plena, possibilite uma mudança radical
à uma realidade como a nossa. É preciso consciência histórica para dialogar com
o que os eixos que podem ser mudados a curto, e àqueles a longo prazo,
considerando os pontos mais tênues entre os povos, centros para uma arrancada
na busca pelo contorno da visão hierarquizada do ‘branco’, tendo o negro, assim
como o índio, elementos inferiores.
Portanto, embora surgindo como uma
janela, espero ter contribuído para um panorama que dissolva as políticas
públicas em ações menos brandas, e que possam garantir – num futuro não muito
distante – a efetiva inserção de um ensino mais próximo do público discente,
bem como do próprio conhecimento dos docentes, ambos conscientes, é claro, da
importância que a cultura afro-brasileira possuem dentro da história, e
consequentemente, daquilo que lhe calça para encurtar as distâncias das
desigualdades sociais, e educacionais, ainda latentes em nosso país.
REFERÊNCIAS
APPIAH,
Kwame Anthony. Na casa de meu pai; A África na filosofia da cultura.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
ARANTES,
Adlene Silva; SILVA, Fabiana Cristina da. História e Cultura Africana e
Afro-brasileira: repercussão da Lei 10.639 nas escolas municipais da cidade de Petrolina – PE.
In: AGUIAR, Marcia Angela da S. (org.). Educação e diversidade: estudos e
pesquisas. Recife: Gráfica J. Luiz Vasconcelos Ed., 2009. Disponível em https://www.ufpe.br/cead/estudosepesquisa/textos/adlene_silva1.pdf
Acessado em 26 de junho de 2015.
BRASIL.
Diretrizes
Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: DF, Outubro,
2003.
FIGUEIREDO,
Otto Vinicius Agra. O movimento social negro no Brasil e o apelo à educação dos
afro-brasileiros. In.: Conferencia Internacional a Reparação e
descolonização do conhecimento. Salvador (Bahia): [UFBA]. Anais, 25-27 de maio
de 2007. pág.117.
FREYRE,
Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005.
MOORE,
Carlos. A África que incomoda; sobre a problematização do legado africano no
quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.
[1] Trabalho orientado pela professora Maryneves Saraiva de Arêa
Leão Sousa, em Teresina – Piauí [04 de julho de 2015].
[2] Acadêmico do curso de Licenciatura Plena em História pela
Universidade Federal do Piauí – 7º período.
[3] Ministério da
Educação.
[4] Leis de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
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