sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Artigo: CASA GRANDE E SENZALA: O NEGRO NA FORMAÇÃO CULTURAL BRASILEIRA



                                                                                                  Larissa Valcácer[1]

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo apresentar a obra Casa Grande e Senzala atentando-se para a figura do negro na América Portuguesa rural, patriarcalista e escravocrata. Gilberto Freyre por meio de uma abordagem inovadora valoriza o negro e mostra sua importância para a sociedade brasileira assim como evidencia as principais contribuições desses africanos para a formação da cultura brasileira.
PALAVRAS CHAVE: Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre, Negros, Cultura Brasileira.

ABSTRAT: This work Aims presente the Works Casa Grande e Senzala Paying attention q to figure the black in Portuguese America rural, Patriarchalist and slave. Gilberto Freyre throung na approach innovative values the black and shows its importance for Brazilian society as evidence of the main contributions these Africans to formation of Brazilian society.
KEYWORDS: Big house and Slaves, Gilberto Freyre, Black.





O CLÁSSICO CASA GRANDE E SENZALA

A obra Casa Grande e Senzala publicada em 1933, é um dos clássicos da historiografia brasileira. O sociólogo Gilberto Freyre apresenta a importância da Casa Grande e da Senzala na formação sociocultural, assim como analisa a formação da sociedade brasileira no contexto da miscigenação entre brancos, negros e índios. A obra escrita de forma clara e envolvente nos leva a mergulhar pelo período colonial da história do Brasil marcado por uma sociedade rural, patriarcal, e escravocrata. A família patriarcal é considerada a mola central do Brasil distinguindo a sociedade brasileira, sendo o sentido profundo da construção do país a matriz histórico- cultural ao redor da Casa Grande. Os cinco capítulos que compõe a obra retratam dos mais variados temas, entre eles podemos citar: A influência Portuguesa no Brasil, a formação hibrida da sociedade baseada em uma vida agrária e patriarcal, o processo de miscigenação por meio da descrição da alimentação, arquitetura, vida sexual, e religiosa, as motivações que levaram os portugueses a Expansão Marítima, a adaptação do português ao Brasil, a importância do índio e do negro, as várias influências da cultura negra no Brasil assim como sua valorização, entre outras abordagens importantes.
Casa Grande e Senzala é considerada uma obra de caráter histórico-social inovador pois apresenta uma perspectiva a frente dos parâmetros teóricos e metodológicos discutidos pelos precursores das ciências sociais no Brasil. Já na década de 30, Freyre antecipa muitos aspectos considerados renovadores pela “nova história” praticada na França em meados da década de 60. A cerca desses aspectos renovadores do autor que é perceptível na obra, podemos começar pela abordagem da vida cotidiana e íntima assim como o olhar para temas até então desprezados pelos pesquisadores da época. Temas como alimentação, habitação, vestuário, sexualidade, infância, história das mulheres, história do corpo, e estudo da cultura material são apenas alguns exemplos de objetos de estudo até então negligenciados.
A história da alimentação é um dos temas bastante recorrentes nas obras de Freyre. O autor em vários momentos elogia a culinária Pernambucana, e expõe vários tipos de comida ligando-as a valores como a hospitalidade, masculinidade e feminilidade, além disso retrata os tipos de dietas e insuficiências. Outros temas bastante evidenciados são a sexualidade e a infância. No que se refere a infância o autor apresentou bastante interesse, tanto que de quatro artigos por ele publicados para o diário de Pernambuco nos anos 20 tratavam das crianças incluindo seus livros e brinquedos. O olhar sobre a infância pode ser observado em Casa Grande com fragmentos que apresentam jogos e brinquedos de crianças brancas, negras e índias, seus estudos, e como no Brasil colonial meninos de dez anos eram mini adultos obrigados a se comportarem como gente grande. Sobre a sexualidade, Freyre aborda o clima de intoxicação sexual que marcou nosso passado colonial desde a chegada dos Portugueses. De forma despojada ele fala do erotismo entre índios, negros e portugueses, e das relações entre a sexualidade e a sociedade colonial.
Freyre inovou e avançou igualmente no esforço, coroado de êxito, de inserir o domínio da sexualidade na totalidade social produzindo reflexões maduras e fecundas, apesar de seus pouco mais de 30 anos, sobre as relações entre sexo, poder, família, religião, hierarquias sociais, sociabilidades, cotidiano, e para usar uma expressão hoje na moda, relações de gênero. (VAINFAS, 2014, p.285)

Por fim podemos traçar mais dois aspectos teóricos e metodológicos renovadores em Gilberto Freyre por meio de Casa Grande e Senzala e em sua produção como todo, são estes a abordagem Multidisciplinar e o uso de vastas fontes de pesquisa. O autor utilizou-se da contribuição de diferentes disciplinas e descreveu seus livros como contribuições a Sociologia, e a Antropologia. Em relação as fontes, Freyre recorreu a um âmbito extraordinariamente amplo. No prefácio a primeira edição da obra, o autor descreveu as fontes que pesquisou dentre elas: confissões e denúncias reunidas pela visitação do Santo oficio, cartas de sesmarias, testamentos, cartas e arquivos de família, livros e cadernos de modinhas, livros de receitas de bolo e doces, coleções de jornais, relatos, cantigas e contos do folclore rural, relatos de ex escravos, literaturas do romance brasileiro, entre outros. Muitas dessas fontes eram consideradas marginais no período em que o autor realizou sua pesquisa, no entanto, proporcionaram uma marca detalhada, abrangente e inovadora.
            Casa Grande e Senzala é uma obra de valor inquestionável para a análise do Brasil, revelando um painel instigante da formação da sociedade brasileira na época colonial. Apesar de tamanhas discussões relevantes, destaco a exposição do autor ao retratar os negros na sociedade colonial brasileira, algo que pretendo aprofundar principalmente no que se refere a sua importância, valorização e influências para a cultura brasileira.

O NEGRO EM CASA GRANDE E SENZALA

Gilberto Freyre ao longo do livro Casa Grande e Senzala faz referências constantes a figura dos negros na sociedade colonial brasileira. O autor reservou dois capítulos de sua obra, cujo título é “O escravo negro na vida sexual e de família do Brasileiro” para uma análise mais aprofundada desses povos que vieram do continente Africano abastecer a mão de obra necessária ao sistema econômico aqui implantado. A partir da análise do autor procurarei destacar e aprofundar dois aspectos constantes na obra, primeiramente a importância e valorização atribuída aos negros e depois procurarei destacar as influências e contribuições para a cultura brasileira.
Como dito anteriormente é perceptível a discussão do autor no que concerne a valorização que o mesmo atribui ao negro no Brasil. Freyre considera imensa a importância do negro, e o exalta em relação ao próprio ameríndio. Segundo ele, nada seria mais anticientífico do que falar da inferioridade dos negros em relação aos nativos, todos os traços da cultura material e moral revelavam os negros como povos mais adiantados em condições de concorrer melhor com os índios e até mesmo com os Portugueses. Para sustentar sua afirmativa, o autor nos mostra alguns aspectos que a justificam como a superioridade técnica e de cultura dos negros, a superioridade biológica e psíquica, e também a contribuição dos negros para a formação econômica e social.
Escrever que nem pelos artefatos, nem pela cultura dos vegetais, nem pela domesticação das espécies zoológicas, nem pela constituição da família ou das tribos, nem pelos conhecimentos astronômicos, nem pela criação da linguagem, e das lendas, eram os pretos superiores aos nossos silvícolas, é produzir uma afirmativa que virada pelo avesso é que dá certo. (FREIRE, 2006, p. 370.)
O negro apresentado na obra é extrovertido, alegre e adaptável. Filho dos trópicos, é integrado ao clima e as condições de vida brasileira. A adaptação a vida nos trópicos explica em parte terem sido na América Portuguesa os maiores e mais plásticos colaboradores dos brancos na obra de colonização agrária, assim como no processo civilizador no sentido Europeizante. Dessa forma, os negros aqui instalados diante da sua fertilidade para com as regiões quentes contribuíram consideravelmente ao sistema econômico, além disso serviram enquanto propagadores da cultura europeia ensinando muitos índios a língua Portuguesa e aspectos da religião católica.  Admitido esses aspectos o autor fala dos antecedentes e predisposições da cultura do africano como a dieta e o regime alimentar. No caso dos negros em comparação aos povos nativos do Brasil, tem-se que sua superioridade de eficiência econômica e eugênica podem ser atribuídos ao fato dos mesmos terem um regime alimentar bem mais equilibrado e rico do que os outros povos que não tinham a cultura da criação de gado e da plantação, vivendo como nômades.
Um outro aspecto importante que colabora a valorização dos negros a partir da obra, é a desmistificação do autor em relação as hipóteses relativas a inferioridade dos negros baseadas nas medições do peso e da estrutura dos cérebros, assim como pelas influencias climáticas e o regime alimentar que influíam no comportamento dos mesmos. Freyre ao falar das raças e das teorias biológicas, expõe que a inferioridade ou superioridade de raças pelo critério da forma do crânio já não tinha o mesmo crédito, o que contava eram as diferenças culturais que se construíam historicamente. Para ele, os negros em nada apresentavam traços de capacidade mental inferior aos brancos. Se havia diferenças, estas foram criadas pelas relações estabelecidas entre os homens com interação ao meio ambiente, clima, entre outros. “O que se sabe das diferenças da estrutura entre os crânios de brancos e negros não permite generalizações. Já houve quem observasse o fato de que alguns homens notáveis tem sido indivíduos de crânio pequeno, e autênticos idiotas, donos de crânios enormes” (FREIRE, 2006, p. 378.)
Dando continuidade aos argumentos de Freyre no que se refere a demostrar a importância dos negros vindos para o Brasil, podemos traçar o fato de que o autor refuta o mito do exclusivismo banto no Brasil, mostrando a variedade de negros vindos de diversas regiões da África e o benefício que a América Portuguesa teve no que se refere ao melhor da cultura negra. Nagôs, iorubas, hauçás, entre outras etnias teriam vindo ao Brasil e exercido um papel fundamental na formação cultural dos brasileiros. Sobre as características físicas, o autor coloca que os negros conhecidos por Fulas eram escravos de cor avermelhada, cabelos quase lisos, e nariz afilado, negros desse estoque eram considerados superiores aos demais. Além disso, teriam vindo ao Brasil um grande número de negros islamizados que sabiam ler e escrever. Esses negros conhecidos por Sudaneses eram de enorme proeminência intelectual e social, muitos eram bastante ativos tendo uma organização política bastante adiantada, literatura religiosa definida não podendo se conformar ao papel de manés- gostosos dos Portugueses muito menos água benta do batismo cristão que de repente apagaria neles o fogo maometano. O islamismo teria se ramificado de forma poderosa no Brasil por meio desses escravos mestres e pregadores, florescendo enquanto seita bastante poderosa no interior das senzalas. Diante de tamanhas características apresentadas por Freyre rebatendo a tese de que os negros vindos para cá eram meros objetos sem inteligência ou capacidade intelectual, o autor coloca que a superioridade dos negros do Brasil era evidente em comparação aos negros que atuaram enquanto mão de obra nos Estados Unidos.
Não há, porém, evidencia nenhuma de emigração africana para a América inglesa levando consigo fula-fulos, pelo menos na mesma proporção que para a América Portuguesa, nem representantes tão numerosos da cultura maometana. Esta só no Brasil desabrochou em escolas e casas de oração, em movimentos e organizações que acusam a presença de uma verdadeira elite malê entre os colonos africanos do nosso país. Parece que para as colônias inglesas o critério de importação de escravos da África foi quase exclusivamente o agrícola. O de energia bruta, animal, preferindo-se, portanto, o negro resistente, forte e barato. Para o Brasil a importação de Africanos fez-se atendendo-se a outras necessidades e interesses. Á falta de mulheres brancas, as necessidades de técnicas em trabalhos de metal, ao surgirem as minas. Duas poderosas forças de seleção. (FREIRE, 2006, p.388)

 Os negros importados para o Brasil teriam tido uma importante função civilizadora. Freyre aprofunda essa discussão e expõe que os escravos vindos de áreas adiantadas do continente Africano foram elementos ativos, criadores até pode-se dizer nobres na colonização do Brasil, degradados somente pela sua condição de escravos. Longe de terem sido apenas animais de tração e operários de enxada a serviço da agricultura, desempenhavam uma função civilizadora. Foram a mão direita da formação agraria brasileira sendo os índios e os Portugueses a mão esquerda. E não somente na agricultura mas também na mineração e na culinária a superioridade no negro mostrava-se evidente.
Os negros fugidos nas matas e nos Sertões, exerceram essa função civilizadora elevando a cultura das populações indígenas e raramente deixavam-se degradar por elas. Caboclos e negros, foram elementos europeizantes agentes de ligação com os Portugueses e a igreja. O Brasil não havia se limitado a recolher da África uma “lama” de gente preta para os canaviais e cafezais, ao contrário, vieram donas de casa para os seus colonos sem mulheres brancas, técnicos para abastecer as minas, negros conhecedores da criação de gado, comerciantes, mestres, sacerdotes, entre outros. A cultura brasileira segundo Freyre teria sido agraciada pela variedade de negros superiores aqui instalados que contagiaram e enriqueceram nossa cultura.
Um outro ponto bastante destacado no livro em relação aos negros é a sua condição de escravo, ou seja, o autor deixa claro que sempre que consideramos a influência do negro é a ação dos mesmos enquanto escravos e não a do negro por si. Como forma de exemplificação dessa atitude Freyre coloca que geralmente fala-se que a raça africana é cheia de luxurias, erotismo, depravação sexual e que as negras importadas teriam corrompido a vida sexual da sociedade brasileira. Para o autor isso não tinha fundamentos, o que explicava a depravação sexual no Brasil era o sistema escravista aqui instalado.
É absurdo responsabilizar-se o negro pelo que não foi obra sua nem do índio, mas do sistema social e econômico em que funcionaram passiva e mecanicamente. Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime. Em primeiro lugar, o próprio interesse econômico favorece a depravação criando nos proprietários de homens imoderado desejo de possuir o maior número possível de crias. (FREIRE, 2006, p.399)

Ao contrário do que muitos pensavam o autor mostra que o sistema escravista propiciou a contaminação sexual no Brasil. Em seus argumentos na defesa dos negros diante dos preconceitos ele rebate a ideia de que a luxúria, a depravação sexual e o erotismo viessem de sua influência, pelo contrário, nas culturas africanas teria havido uma maior moderação sexual em relação aos europeus. Os negros haviam se sifilizado no Brasil e muitos senhores de engenho teriam contaminado uma massa de escravos nas senzalas coloniais. O autor argumenta que muitos senhores das casas grandes contaminaram as negras das senzalas, incluindo as negrinhas virgens de 12 e 13 anos. O interesse do homem branco era multiplicar o número de escravos, sendo a lubricidade brasileira atribuída por ele. Não era culpa do negro, visto que não há escravidão sem depravação. Os brancos teriam sido alvo de muitas ações violentas sobre o negro por meio de relações cruéis e cheias de maldade.
Não era portanto o negro o libertino, mas o escravo a serviço do interesse econômico e da ociosidade voluptuosa dos senhores. Não era a “raça inferior” a fonte de corrupção, mas o abuso de uma raça por outra. Abuso que implicava conforma-se a servil com os apetites da todo-poderosa. (FREIRE, 2006, p.402)

Diante de tantos exemplos citados, é possível notar que Gilberto Freyre inova ao retratar e expor o negro em Casa Grande e Senzala. O autor diferente de outros pesquisadores que qualificam os negros como meros coitados explorados pelo sistema escravista, o eleva a um patamar de Ser ativo e superior cujas qualidades são inegáveis e inquestionáveis. Dessa forma, podemos nos perguntar o Porquê de tamanhas defesas e importâncias atribuídas aos negros por meio da obra. Gilberto Freyre na verdade estava a todo instante procurando se opor as teses de inferioridade racial. Para isso o autor descreveu minuciosamente a variedade cultural africana, as vantagens dos escravos brasileiros em relação aos escravos americanos, a elevação cultural e intelectual desses escravos, entre outras questões já discutidas que não atribuíam aos negros os males do país e sim a um sistema social aqui implantado.
O livro Casa Grande e Senzala também contempla uma variedade de contribuições e influências dos negros para a sociedade brasileira. O autor coloca que todo brasileiro mesmo alvo e de cabelo loiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena e do negro.
Na ternura, na mimica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolengando na mão o bolo de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho-de pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a primeira sensação completa de homem. Do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. (FREIRE, 2006, p .367)
Gilberto Freyre ao retratar as influências culturais dos negros africanos, (influências positivas) foi bastante revolucionário para a época, visto que a mesma era marcada por pregar a pureza, o branqueamento, e a europeização da raça. Freyre foi o primeiro a afirmar com todas as letras que a nossa miscigenação cultural e racial era um verdadeiro triunfo. Primeiramente podemos começar pelos contatos entre as amas de leite e seus nhonhôs, no qual o autor expõe que já nos contatos estabelecidos entre a mãe preta e esses meninos brancos havia ternura como de mãe para filho. Ao contrário do que muitos falavam que as amas de leite só transmitiam coisas ruins para os meninos brancos, o autor argumenta que as crianças recebiam dessas escravas muitos afagos de ternura e bondade, tendo o europeu sido humanizado pelo negro que era mais bondoso do que seu senhor e o enriqueceu por meio do seu contato.
As amas de leite ao cuidarem dos meninos brancos transmitiam inúmeros ensinamentos provenientes da cultura africana. No livro o autor expõe que essas escravas eram verdadeiras contadoras de história, as negras velhas contavam histórias mal assombradas, contos, histórias de bichos, entre outras que se juntavam as histórias portuguesas e que eram passadas a várias gerações. Baseado nessas histórias o autor conclui que o brasileiro é um povo místico que acredita no sobrenatural, e atribui a essas negras contadoras de histórias em parte a construção desse imaginário. Elas também foram responsáveis pelo amolecimento da linguagem infantil. Pronunciadas de forma dura pelos portugueses, algumas palavras pronunciadas no Brasil eram amaciadas pela influência da boca africana. Palavras até hoje utilizadas em nosso vocabulário como cacá, pipi, bumbum, neném, tatá, dindinho, e mimi são alguns exemplos. Freyre nos mostra também que não somente a linguagem infantil mas também a linguagem séria sofreu muitas modificação por meio essa espécie de “amolecimento” provocada pelo contato do senhor com o escravo. Dentre as palavras de origem africana que ainda hoje estão enraizadas em nossa cultura por meio da influência dos negros tem-se: cafuné, dengo, mandinga, caçula, bunda, vatapá, catinga, mucama, mocotó, entre outras.
Um outro traço importante e bastante enfatizado na obra a partir da infiltração da cultura negra na vida do brasileiro é a culinária. Os negros foram povos que dominaram a cozinha colonial enriquecendo-a com inúmeros sabores novos. Muitos pratos hoje conhecidos em nossa culinária atual possuem raízes negras e são mostrados na obra, alimentos pura ou predominantemente africanos.
No regime alimentar brasileiro a contribuição africana afirmou-se principalmente pela introdução do azeite de dendê e da pimenta malagueta, tão característicos da cozinha baiana; pela introdução do quiabo, pelo maior uso da banana, pela grande variedade na maneira de preparar a galinha e o peixe. Várias comidas portuguesas ou indígenas foram no Brasil modificadas pela condimentação ou pela técnica culinária do negro, alguns dos pratos mais caracteristicamente brasileiros são de técnica africana: a farofa, o quibebe, o vatapá. (FREIRE, 2006, p. 544)
Dessa forma podemos concluir que Gilberto Freyre soube como ninguém reconhecer e salientar a importância da cultura africana para a formação social brasileira. A contribuição dos negros é para o autor muito além do esforço físico. Os africanos aqui na América Portuguesa deram fundamentais contribuições culturais ao povo brasileiro, como por meio das técnicas, do vestuário, da música, da fala, alimentação, práticas artesanais, medicinais e religiosas, entre outros.
O livro Casa Grande e Senzala traz um panorama geral sobre o Brasil colonial patriarcalista e nos faz refletir sobre o “ser” brasileiro. Gilberto Freyre recebeu e até hoje recebe inúmeras críticas de conservador, idealizador do patriarcalismo, autor imaginativo, entre outras que em nada diminuíram o seu reconhecimento fora do Brasil e o valor inestimável de suas obras. Pelo contrário, Freyre é aclamado no exterior como inovador e respeitado nos vários círculos de intelectualidade sendo Casa Grande e Senzala uma obra com inúmeras edições o que comprova a importância dos estudos e pesquisas feitas pelo autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURKE, Peter. Gilberto Freyre e a nova história. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 9(2): 1-12, outubro de 1997.
CARDOSO, Fernando Henrique. Pensadores que inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: a formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006.
VAINFAS, Ronaldo. Casa Grande erótica: a sexualidade na obra prima de Gilberto Freyre. In: CARVALHO, Fábio Almeida de; EUGÊNIO, João Kennedy, orgs. Interpretações do Brasil. Rio de Janeiro: E-papers, 2014, p. 285-300





[1] Graduanda do sétimo período do curso de Licenciatura Plena em História da UFPI, bolsista PET. Artigo orientado pela professora Maryneves Arêa Leão, disciplina: Cultura afro-brasileira 2015,1

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