Larissa Valcácer[1]
RESUMO: O presente trabalho
tem por objetivo apresentar a obra Casa Grande e Senzala atentando-se para a
figura do negro na América Portuguesa rural, patriarcalista e escravocrata.
Gilberto Freyre por meio de uma abordagem inovadora valoriza o negro e mostra
sua importância para a sociedade brasileira assim como evidencia as principais
contribuições desses africanos para a formação da cultura brasileira.
PALAVRAS CHAVE: Casa
Grande e Senzala, Gilberto Freyre, Negros, Cultura Brasileira.
ABSTRAT: This work Aims
presente the Works Casa Grande e Senzala Paying attention q to figure the black
in Portuguese America rural, Patriarchalist and slave. Gilberto Freyre throung
na approach innovative values the black and shows its importance for Brazilian
society as evidence of the main contributions these Africans to formation of
Brazilian society.
O CLÁSSICO CASA GRANDE E SENZALA
A
obra Casa Grande e Senzala publicada em 1933, é um dos clássicos da
historiografia brasileira. O sociólogo Gilberto Freyre apresenta a importância
da Casa Grande e da Senzala na formação sociocultural, assim como analisa a
formação da sociedade brasileira no contexto da miscigenação entre brancos,
negros e índios. A obra escrita de forma clara e envolvente nos leva a
mergulhar pelo período colonial da história do Brasil marcado por uma sociedade
rural, patriarcal, e escravocrata. A família patriarcal é considerada a mola
central do Brasil distinguindo a sociedade brasileira, sendo o sentido profundo
da construção do país a matriz histórico- cultural ao redor da Casa Grande. Os
cinco capítulos que compõe a obra retratam dos mais variados temas, entre eles
podemos citar: A influência Portuguesa no Brasil, a formação hibrida da
sociedade baseada em uma vida agrária e patriarcal, o processo de miscigenação
por meio da descrição da alimentação, arquitetura, vida sexual, e religiosa, as
motivações que levaram os portugueses a Expansão Marítima, a adaptação do
português ao Brasil, a importância do índio e do negro, as várias influências
da cultura negra no Brasil assim como sua valorização, entre outras abordagens
importantes.
Casa
Grande e Senzala é considerada uma obra de caráter histórico-social inovador
pois apresenta uma perspectiva a frente dos parâmetros teóricos e metodológicos
discutidos pelos precursores das ciências sociais no Brasil. Já na década de
30, Freyre antecipa muitos aspectos considerados renovadores pela “nova
história” praticada na França em meados da década de 60. A cerca desses
aspectos renovadores do autor que é perceptível na obra, podemos começar pela
abordagem da vida cotidiana e íntima assim como o olhar para temas até então
desprezados pelos pesquisadores da época. Temas como alimentação, habitação,
vestuário, sexualidade, infância, história das mulheres, história do corpo, e
estudo da cultura material são apenas alguns exemplos de objetos de estudo até
então negligenciados.
A
história da alimentação é um dos temas bastante recorrentes nas obras de
Freyre. O autor em vários momentos elogia a culinária Pernambucana, e expõe vários
tipos de comida ligando-as a valores como a hospitalidade, masculinidade e
feminilidade, além disso retrata os tipos de dietas e insuficiências. Outros
temas bastante evidenciados são a sexualidade e a infância. No que se refere a
infância o autor apresentou bastante interesse, tanto que de quatro artigos por
ele publicados para o diário de Pernambuco nos anos 20 tratavam das crianças
incluindo seus livros e brinquedos. O olhar sobre a infância pode ser observado
em Casa Grande com fragmentos que apresentam jogos e brinquedos de crianças
brancas, negras e índias, seus estudos, e como no Brasil colonial meninos de
dez anos eram mini adultos obrigados a se comportarem como gente grande. Sobre
a sexualidade, Freyre aborda o clima de intoxicação sexual que marcou nosso
passado colonial desde a chegada dos Portugueses. De forma despojada ele fala
do erotismo entre índios, negros e portugueses, e das relações entre a
sexualidade e a sociedade colonial.
Freyre inovou e avançou
igualmente no esforço, coroado de êxito, de inserir o domínio da sexualidade na
totalidade social produzindo reflexões maduras e fecundas, apesar de seus pouco
mais de 30 anos, sobre as relações entre sexo, poder, família, religião,
hierarquias sociais, sociabilidades, cotidiano, e para usar uma expressão hoje
na moda, relações de gênero. (VAINFAS,
2014, p.285)
Por
fim podemos traçar mais dois aspectos teóricos e metodológicos renovadores em
Gilberto Freyre por meio de Casa Grande e Senzala e em sua produção como todo,
são estes a abordagem Multidisciplinar e o uso de vastas fontes de pesquisa. O
autor utilizou-se da contribuição de diferentes disciplinas e descreveu seus
livros como contribuições a Sociologia, e a Antropologia. Em relação as fontes,
Freyre recorreu a um âmbito extraordinariamente amplo. No prefácio a primeira
edição da obra, o autor descreveu as fontes que pesquisou dentre elas:
confissões e denúncias reunidas pela visitação do Santo oficio, cartas de
sesmarias, testamentos, cartas e arquivos de família, livros e cadernos de
modinhas, livros de receitas de bolo e doces, coleções de jornais, relatos,
cantigas e contos do folclore rural, relatos de ex escravos, literaturas do
romance brasileiro, entre outros. Muitas dessas fontes eram consideradas
marginais no período em que o autor realizou sua pesquisa, no entanto,
proporcionaram uma marca detalhada, abrangente e inovadora.
Casa Grande e Senzala é uma obra de
valor inquestionável para a análise do Brasil, revelando um painel instigante
da formação da sociedade brasileira na época colonial. Apesar de tamanhas
discussões relevantes, destaco a exposição do autor ao retratar os negros na
sociedade colonial brasileira, algo que pretendo aprofundar principalmente no
que se refere a sua importância, valorização e influências para a cultura
brasileira.
O
NEGRO EM CASA GRANDE E SENZALA
Gilberto
Freyre ao longo do livro Casa Grande e Senzala faz referências constantes a
figura dos negros na sociedade colonial brasileira. O autor reservou dois
capítulos de sua obra, cujo título é “O escravo negro na vida sexual e de
família do Brasileiro” para uma análise mais aprofundada desses povos que
vieram do continente Africano abastecer a mão de obra necessária ao sistema
econômico aqui implantado. A partir da análise do autor procurarei destacar e
aprofundar dois aspectos constantes na obra, primeiramente a importância e
valorização atribuída aos negros e depois procurarei destacar as influências e
contribuições para a cultura brasileira.
Como
dito anteriormente é perceptível a discussão do autor no que concerne a
valorização que o mesmo atribui ao negro no Brasil. Freyre considera imensa a
importância do negro, e o exalta em relação ao próprio ameríndio. Segundo ele,
nada seria mais anticientífico do que falar da inferioridade dos negros em relação
aos nativos, todos os traços da cultura material e moral revelavam os negros
como povos mais adiantados em condições de concorrer melhor com os índios e até
mesmo com os Portugueses. Para sustentar sua afirmativa, o autor nos mostra alguns
aspectos que a justificam como a superioridade técnica e de cultura dos negros,
a superioridade biológica e psíquica, e também a contribuição dos negros para a
formação econômica e social.
Escrever que nem pelos
artefatos, nem pela cultura dos vegetais, nem pela domesticação das espécies
zoológicas, nem pela constituição da família ou das tribos, nem pelos
conhecimentos astronômicos, nem pela criação da linguagem, e das lendas, eram
os pretos superiores aos nossos silvícolas, é produzir uma afirmativa que
virada pelo avesso é que dá certo. (FREIRE, 2006, p. 370.)
O
negro apresentado na obra é extrovertido, alegre e adaptável. Filho dos
trópicos, é integrado ao clima e as condições de vida brasileira. A adaptação a
vida nos trópicos explica em parte terem sido na América Portuguesa os maiores
e mais plásticos colaboradores dos brancos na obra de colonização agrária, assim
como no processo civilizador no sentido Europeizante. Dessa forma, os negros
aqui instalados diante da sua fertilidade para com as regiões quentes
contribuíram consideravelmente ao sistema econômico, além disso serviram
enquanto propagadores da cultura europeia ensinando muitos índios a língua
Portuguesa e aspectos da religião católica.
Admitido esses aspectos o autor fala dos antecedentes e predisposições
da cultura do africano como a dieta e o regime alimentar. No caso dos negros em
comparação aos povos nativos do Brasil, tem-se que sua superioridade de
eficiência econômica e eugênica podem ser atribuídos ao fato dos mesmos terem
um regime alimentar bem mais equilibrado e rico do que os outros povos que não
tinham a cultura da criação de gado e da plantação, vivendo como nômades.
Um
outro aspecto importante que colabora a valorização dos negros a partir da
obra, é a desmistificação do autor em relação as hipóteses relativas a inferioridade
dos negros baseadas nas medições do peso e da estrutura dos cérebros, assim
como pelas influencias climáticas e o regime alimentar que influíam no
comportamento dos mesmos. Freyre ao falar das raças e das teorias biológicas,
expõe que a inferioridade ou superioridade de raças pelo critério da forma do
crânio já não tinha o mesmo crédito, o que contava eram as diferenças culturais
que se construíam historicamente. Para ele, os negros em nada apresentavam
traços de capacidade mental inferior aos brancos. Se havia diferenças, estas
foram criadas pelas relações estabelecidas entre os homens com interação ao
meio ambiente, clima, entre outros. “O que se sabe das diferenças da estrutura
entre os crânios de brancos e negros não permite generalizações. Já houve quem
observasse o fato de que alguns homens notáveis tem sido indivíduos de crânio
pequeno, e autênticos idiotas, donos de crânios enormes” (FREIRE, 2006, p.
378.)
Dando
continuidade aos argumentos de Freyre no que se refere a demostrar a
importância dos negros vindos para o Brasil, podemos traçar o fato de que o
autor refuta o mito do exclusivismo banto no Brasil, mostrando a variedade de
negros vindos de diversas regiões da África e o benefício que a América Portuguesa
teve no que se refere ao melhor da cultura negra. Nagôs, iorubas, hauçás, entre
outras etnias teriam vindo ao Brasil e exercido um papel fundamental na
formação cultural dos brasileiros. Sobre as características físicas, o autor
coloca que os negros conhecidos por Fulas eram escravos de cor avermelhada, cabelos
quase lisos, e nariz afilado, negros desse estoque eram considerados superiores
aos demais. Além disso, teriam vindo ao Brasil um grande número de negros
islamizados que sabiam ler e escrever. Esses negros conhecidos por Sudaneses
eram de enorme proeminência intelectual e social, muitos eram bastante ativos
tendo uma organização política bastante adiantada, literatura religiosa
definida não podendo se conformar ao papel de manés- gostosos dos Portugueses
muito menos água benta do batismo cristão que de repente apagaria neles o fogo
maometano. O islamismo teria se ramificado de forma poderosa no Brasil por meio
desses escravos mestres e pregadores, florescendo enquanto seita bastante
poderosa no interior das senzalas. Diante de tamanhas características
apresentadas por Freyre rebatendo a tese de que os negros vindos para cá eram
meros objetos sem inteligência ou capacidade intelectual, o autor coloca que a
superioridade dos negros do Brasil era evidente em comparação aos negros que
atuaram enquanto mão de obra nos Estados Unidos.
Não há, porém, evidencia
nenhuma de emigração africana para a América inglesa levando consigo
fula-fulos, pelo menos na mesma proporção que para a América Portuguesa, nem
representantes tão numerosos da cultura maometana. Esta só no Brasil
desabrochou em escolas e casas de oração, em movimentos e organizações que
acusam a presença de uma verdadeira elite malê entre os colonos africanos do
nosso país. Parece que para as colônias inglesas o critério de importação de
escravos da África foi quase exclusivamente o agrícola. O de energia bruta,
animal, preferindo-se, portanto, o negro resistente, forte e barato. Para o
Brasil a importação de Africanos fez-se atendendo-se a outras necessidades e
interesses. Á falta de mulheres brancas, as necessidades de técnicas em
trabalhos de metal, ao surgirem as minas. Duas poderosas forças de seleção. (FREIRE,
2006, p.388)
Os negros importados para o Brasil teriam tido
uma importante função civilizadora. Freyre aprofunda essa discussão e expõe que
os escravos vindos de áreas adiantadas do continente Africano foram elementos
ativos, criadores até pode-se dizer nobres na colonização do Brasil, degradados
somente pela sua condição de escravos. Longe de terem sido apenas animais de
tração e operários de enxada a serviço da agricultura, desempenhavam uma função
civilizadora. Foram a mão direita da formação agraria brasileira sendo os
índios e os Portugueses a mão esquerda. E não somente na agricultura mas também
na mineração e na culinária a superioridade no negro mostrava-se evidente.
Os
negros fugidos nas matas e nos Sertões, exerceram essa função civilizadora
elevando a cultura das populações indígenas e raramente deixavam-se degradar
por elas. Caboclos e negros, foram elementos europeizantes agentes de ligação
com os Portugueses e a igreja. O Brasil não havia se limitado a recolher da
África uma “lama” de gente preta para os canaviais e cafezais, ao contrário,
vieram donas de casa para os seus colonos sem mulheres brancas, técnicos para
abastecer as minas, negros conhecedores da criação de gado, comerciantes,
mestres, sacerdotes, entre outros. A cultura brasileira segundo Freyre teria
sido agraciada pela variedade de negros superiores aqui instalados que
contagiaram e enriqueceram nossa cultura.
Um
outro ponto bastante destacado no livro em relação aos negros é a sua condição
de escravo, ou seja, o autor deixa claro que sempre que consideramos a
influência do negro é a ação dos mesmos enquanto escravos e não a do negro por
si. Como forma de exemplificação dessa atitude Freyre coloca que geralmente
fala-se que a raça africana é cheia de luxurias, erotismo, depravação sexual e
que as negras importadas teriam corrompido a vida sexual da sociedade
brasileira. Para o autor isso não tinha fundamentos, o que explicava a
depravação sexual no Brasil era o sistema escravista aqui instalado.
É absurdo
responsabilizar-se o negro pelo que não foi obra sua nem do índio, mas do
sistema social e econômico em que funcionaram passiva e mecanicamente. Não há
escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime. Em primeiro
lugar, o próprio interesse econômico favorece a depravação criando nos
proprietários de homens imoderado desejo de possuir o maior número possível de
crias. (FREIRE, 2006, p.399)
Ao
contrário do que muitos pensavam o autor mostra que o sistema escravista
propiciou a contaminação sexual no Brasil. Em seus argumentos na defesa dos
negros diante dos preconceitos ele rebate a ideia de que a luxúria, a
depravação sexual e o erotismo viessem de sua influência, pelo contrário, nas
culturas africanas teria havido uma maior moderação sexual em relação aos
europeus. Os negros haviam se sifilizado no Brasil e muitos senhores de engenho
teriam contaminado uma massa de escravos nas senzalas coloniais. O autor
argumenta que muitos senhores das casas grandes contaminaram as negras das
senzalas, incluindo as negrinhas virgens de 12 e 13 anos. O interesse do homem
branco era multiplicar o número de escravos, sendo a lubricidade brasileira
atribuída por ele. Não era culpa do negro, visto que não há escravidão sem
depravação. Os brancos teriam sido alvo de muitas ações violentas sobre o negro
por meio de relações cruéis e cheias de maldade.
Não era portanto o negro o
libertino, mas o escravo a serviço do interesse econômico e da ociosidade
voluptuosa dos senhores. Não era a “raça inferior” a fonte de corrupção, mas o
abuso de uma raça por outra. Abuso que implicava conforma-se a servil com os
apetites da todo-poderosa. (FREIRE, 2006, p.402)
Diante
de tantos exemplos citados, é possível notar que Gilberto Freyre inova ao
retratar e expor o negro em Casa Grande e Senzala. O autor diferente de outros
pesquisadores que qualificam os negros como meros coitados explorados pelo
sistema escravista, o eleva a um patamar de Ser ativo e superior cujas
qualidades são inegáveis e inquestionáveis. Dessa forma, podemos nos perguntar o
Porquê de tamanhas defesas e importâncias atribuídas aos negros por meio da
obra. Gilberto Freyre na verdade estava a todo instante procurando se opor as
teses de inferioridade racial. Para isso o autor descreveu minuciosamente a
variedade cultural africana, as vantagens dos escravos brasileiros em relação
aos escravos americanos, a elevação cultural e intelectual desses escravos,
entre outras questões já discutidas que não atribuíam aos negros os males do
país e sim a um sistema social aqui implantado.
O
livro Casa Grande e Senzala também contempla uma variedade de contribuições e
influências dos negros para a sociedade brasileira. O autor coloca que todo
brasileiro mesmo alvo e de cabelo loiro traz na alma e no corpo a sombra do
indígena e do negro.
Na ternura, na mimica
excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no
andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão
sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava
ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela
própria amolengando na mão o bolo de comida. Da negra velha que nos contou as
primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o
primeiro bicho-de pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico
e nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a primeira sensação completa de
homem. Do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. (FREIRE,
2006, p .367)
Gilberto
Freyre ao retratar as influências culturais dos negros africanos, (influências
positivas) foi bastante revolucionário para a época, visto que a mesma era
marcada por pregar a pureza, o branqueamento, e a europeização da raça. Freyre
foi o primeiro a afirmar com todas as letras que a nossa miscigenação cultural
e racial era um verdadeiro triunfo. Primeiramente podemos começar pelos
contatos entre as amas de leite e seus nhonhôs, no qual o autor expõe que já
nos contatos estabelecidos entre a mãe preta e esses meninos brancos havia
ternura como de mãe para filho. Ao contrário do que muitos falavam que as amas
de leite só transmitiam coisas ruins para os meninos brancos, o autor argumenta
que as crianças recebiam dessas escravas muitos afagos de ternura e bondade,
tendo o europeu sido humanizado pelo negro que era mais bondoso do que seu
senhor e o enriqueceu por meio do seu contato.
As
amas de leite ao cuidarem dos meninos brancos transmitiam inúmeros ensinamentos
provenientes da cultura africana. No livro o autor expõe que essas escravas
eram verdadeiras contadoras de história, as negras velhas contavam histórias
mal assombradas, contos, histórias de bichos, entre outras que se juntavam as
histórias portuguesas e que eram passadas a várias gerações. Baseado nessas
histórias o autor conclui que o brasileiro é um povo místico que acredita no
sobrenatural, e atribui a essas negras contadoras de histórias em parte a
construção desse imaginário. Elas também foram responsáveis pelo amolecimento
da linguagem infantil. Pronunciadas de forma dura pelos portugueses, algumas
palavras pronunciadas no Brasil eram amaciadas pela influência da boca
africana. Palavras até hoje utilizadas em nosso vocabulário como cacá, pipi,
bumbum, neném, tatá, dindinho, e mimi são alguns exemplos. Freyre nos mostra
também que não somente a linguagem infantil mas também a linguagem séria sofreu
muitas modificação por meio essa espécie de “amolecimento” provocada pelo
contato do senhor com o escravo. Dentre as palavras de origem africana que
ainda hoje estão enraizadas em nossa cultura por meio da influência dos negros
tem-se: cafuné, dengo, mandinga, caçula, bunda, vatapá, catinga, mucama,
mocotó, entre outras.
Um
outro traço importante e bastante enfatizado na obra a partir da infiltração da
cultura negra na vida do brasileiro é a culinária. Os negros foram povos que
dominaram a cozinha colonial enriquecendo-a com inúmeros sabores novos. Muitos
pratos hoje conhecidos em nossa culinária atual possuem raízes negras e são mostrados
na obra, alimentos pura ou predominantemente africanos.
No regime alimentar
brasileiro a contribuição africana afirmou-se principalmente pela introdução do
azeite de dendê e da pimenta malagueta, tão característicos da cozinha baiana;
pela introdução do quiabo, pelo maior uso da banana, pela grande variedade na
maneira de preparar a galinha e o peixe. Várias comidas portuguesas ou
indígenas foram no Brasil modificadas pela condimentação ou pela técnica
culinária do negro, alguns dos pratos mais caracteristicamente brasileiros são
de técnica africana: a farofa, o quibebe, o vatapá. (FREIRE, 2006, p. 544)
Dessa
forma podemos concluir que Gilberto Freyre soube como ninguém reconhecer e
salientar a importância da cultura africana para a formação social brasileira.
A contribuição dos negros é para o autor muito além do esforço físico. Os
africanos aqui na América Portuguesa deram fundamentais contribuições culturais
ao povo brasileiro, como por meio das técnicas, do vestuário, da música, da
fala, alimentação, práticas artesanais, medicinais e religiosas, entre outros.
O
livro Casa Grande e Senzala traz um panorama geral sobre o Brasil colonial
patriarcalista e nos faz refletir sobre o “ser” brasileiro. Gilberto Freyre
recebeu e até hoje recebe inúmeras críticas de conservador, idealizador do
patriarcalismo, autor imaginativo, entre outras que em nada diminuíram o seu
reconhecimento fora do Brasil e o valor inestimável de suas obras. Pelo contrário,
Freyre é aclamado no exterior como inovador e respeitado nos vários círculos de
intelectualidade sendo Casa Grande e Senzala uma obra com inúmeras edições o
que comprova a importância dos estudos e pesquisas feitas pelo autor.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BURKE, Peter. Gilberto Freyre e a nova história. Tempo
Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 9(2): 1-12, outubro de 1997.
CARDOSO, Fernando
Henrique. Pensadores que inventaram o
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: a formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006.
VAINFAS, Ronaldo. Casa Grande erótica: a sexualidade na obra
prima de Gilberto Freyre. In: CARVALHO, Fábio Almeida de; EUGÊNIO, João
Kennedy, orgs. Interpretações do Brasil. Rio de Janeiro: E-papers, 2014, p.
285-300
[1]
Graduanda do sétimo período do curso de Licenciatura Plena em História da UFPI,
bolsista PET. Artigo orientado pela professora Maryneves Arêa Leão, disciplina: Cultura afro-brasileira 2015,1
Muito bom, adorei.
ResponderExcluirparabéns professora Maryneves e sua orientadora.