sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Artigo desenvolvido por Hellen Pabline com a temática: Cabelo Afro: uma questão de identidade afrodescendente...

Cabelo Afro: uma questão de identidade afrodescendente

Hellen Pabline Leal Conceição[1]



Se eu quero ‘pixaim’, deixa!
Se eu quero enrolado, deixa!
Se eu quero colorido, deixa!
Se eu quero assanhado,
Deixa, deixa, a madeixa balançar.
(Chico César – música: Respeitem meus cabelos brancos)


            Com o processo colonizador, alguns povos aportaram no Brasil, dentre eles os Africanos; com essas tribos vieram seus costumes, cores, religiões, e concepções estéticas como as múltiplas significações dado ao cabelo e seus penteados. Tribos essas menosprezadas pela posição imposta, em solo que veria a ser conhecido como Brasil, de negros e escravos. Assim, o cabelo também foi menosprezado, pois o parâmetro de beleza se configurou balizado pelo modelo europeu do “belo”.
            Com o passar do tempo lutas de contestação e de libertação podem ser observadas nas tramas da História, A Revolta dos Malês que aconteceu em Salvador-Bahia no século XIX é um exemplo disso. Posteriormente, a escravidão teve oficialmente seu fim, mas a sua obra discriminatória ainda permaneceu; agora a luta se configura pela busca dos direitos de igualdade racial e social. Tendo em vista esse contexto, grupos se ergueram para lutar por seus direitos de identidade, sobretudo a partir da década de 1960, momento efervescente para a História da humanidade decorrente das manifestações de várias espécies que aconteceram pelo mundo, levantando bandeiras como a da liberdade de expressão e de corpo. Muitos desses movimentos trouxeram contribuições significativas para grupos populares e para a cultura popular, aqui, inserindo-se uma maior valorização da cultura afrodescendente; “o novo movimento étnico, disseminado aqui (Brasil) nos discursos norte-americanos de moda e orgulho negro, ganhara força para desassociar o ideal de beleza negra do ideal branco, que até então dominava soberano, pregando cabelos lisos, longos e louros”[2], através das discussões sobre o assunto, pessoas se permitiram expressar seus traços próprios e originais.

Desde o surgimento da civilização africana, o estilo do cabelo era usado para indicar o estado civil, a origem da pessoa, a idade, a religião, a identidade étnica, a riqueza e a posição social. E em certas culturas, até o sobrenome de uma pessoa podia ser delatado pelo exame do cabelo, criando deste modo, formas únicas para cada clã. Além disso, um estilo particular de cabelo poderia ser usado para atrair a pessoa do sexo oposto ou como sinal de um ritual religioso (FAGUNDES, 2002).

            Mesmo que no Brasil as formas de se utilizar o cabelo não tenham características tão marcantes quando as Africanas, ainda assim é relevante o ideário e significação que socialmente se dá ao estar “arrumado”. O cabelo ganha uma atenção especial nesse ideal de conduta social e o que podemos observar é o papel importante que a sociedade possui na significação dada à cultura afrodescendente, o que acaba desembocado no cabelo afro, um dos maiores símbolos de identificação cultural.
           
O cabelo é um marcante indício de procedência étnica, é um dos principais elementos biotipológicos na construção da pessoa na cultura. O negro quando assume o seu cabelo de negro assume também o seu papel na sociedade como uma pessoa negra. E ser negro no Brasil e no mundo, convenhamos, é ainda um duro caminho trilhado por milhares de afro descendentes (apud LODY, R. 2004, p.125).

            A escola, nesse contexto, apresentasse como um ambiente importante para se analisar a formação da identidade que começa a se estruturar na infância e que tem na adolescência sua fase mais marcante. Fica evidente que é no espaço escolar que infelizmente acontecem os mais diversos tipos de preconceitos, dentre eles, o preconceito racial é nítido. “No Brasil já existe a lei de nº 10.639, de nove de janeiro de 2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a Obrigatoriedade da temática ‘História e Cultural Afro-Brasileira’”[3], porém essa lei é pouco exercitada na escola pública, já que coloca a escola “como instituição social responsável pela transmissão e socialização do conhecimento e da cultura”, tratada na maior parte das vezes apenas de forma tangencial em sala de aula, não cumprindo efetivamente com as propostas norteadoras que são apresentadas nos PCN’s.
           
A ideologia eurocêntrica ainda está enraizada na postura pedagógica de muitos educadores, sendo da mesma forma transmitida para seus alunos, submetidos ás crenças e aos valores da cultura branca dominante, na interiorização de estereótipos de forma inconsciente (GOMES, 2002).

Podemos encontrar uma dificuldade ao lidar com esse tema diante da própria postura dos educadores em relação a essa temática, os educadores não se aceitam com o cabelo afrodescendente. Encontramo-nos aqui em um impasse, como eles poderão transmitir conceitos da etnia negra, as representações negras da sociedade, os seus valores, se eles mesmos não expressão uma auto aceitação, sobretudo quando o assunto é seu cabelo naturalmente crespo? Essas questões são presente e significativas, e muitas vezes não damos a devida atenção. Construímo-nos por meio do corpo, corpo esse que é construído biológico e culturalmente na História. Esse paralelo, o corpo natural e o corpo simbólico, nos constitui enquanto indivíduos. Por isso não podemos esquecer que essas duas áreas convivem simultaneamente, nossas funções e comportamentos biológicos, como o sono, fome, o desejo sexual, são culturalmente construídas e significados. E foi essa comparação dos sinais do corpo negro (tipo de cabelo, cor da pele, formato do nariz, boca) com os traços brancos europeus, naquele contexto colonial, que serviu como argumento para uma padronização de beleza e fealdade que nos acompanha até hoje. “O cabelo tem sido um dos principais símbolos utilizados nesse processo, pois desde a escravidão tem sido usado como um dos elementos definidores do lugar do sujeito dentro do sistema de classificação racial brasileiro”[4]. A discussão desse padrão culturalmente construído é questionada nas escolas de forma substancial?
A experiência do negro com o cabelo começa muito cedo, engana-se quem pensa que as primeiras experiências de rejeição do cabelo afro iniciam-se com os processos de alisamentos. É muito comum, na infância, os pais fazerem tranças para “domar” o cabelo. Desde tenra idade, a criança é ensinada que os cachos volumosos precisam ser contidos, já que destoa tanto do padrão liso rende à cabeça. Muito comum, em seguida, a tentativa de contê-los por meio de instrumentos como secador e prancha de alisar. O processo de alisamento, depois de certa idade, principalmente em torno da pré-adolescência, se torna constante na vida de muitas garotas como tentativa de “ajeitar” o cabelo. E o ditado “para ser bonita, tem que sofrer” é internalizado, e aceito como uma condição que precisam suportar para alcançar a satisfação estética. Muitas empresas tiram proveito disso na criação de fórmulas químicas, fazendo propagandas milagrosas em que o cabelo crespo é transformado em liso. É nessa perspectiva empresarial de um cabelo dito como perfeito, o cabelo liso, que o lucro é cada vez maior no emprego da produção de alisantes.
Teóricas feministas que discutem questões raciais, fontes interessante para tomar conhecimento da discussão, inclusive para a própria reflexão do educador, debatem sobre as questões de gênero e cor, e podem ser facilmente conhecidas por meio de redes social como o YouTube. Cito como importante ícone desse debate Chimamanda Ngozi Adichie que nasceu em 15 de setembro de 1997 em Enugu, Nigéria; foi o quinto de seis filhos. Seu pai trabalhou na Universidade da Nigéria, e foi o primeiro professor de estatística da Nigéria. Sua mãe por sua vez, foi a primeira secretária do sexo feminino a trabalhar na mesma instituição. Chimamanda concluiu seus estudos secundários na escola da Universidade. Estudou medicina de farmácia por um ano. Aos 19, Adichie partiu para os Estados Unidos para assim concluiu seus estudos diante de novas oportunidades educacionais. Ganhou uma bolsa para estudar comunicação na Universidade de Drexel, Filadélfia. Seguiu estudando licenciatura em comunicação e ciências políticas, fez mestrado em estudos africanos, e depois de 2001, completou seu mestrado em escrita criativa. Em 2011-2012 foi premiada com bolsa de estudos pelo Instituto Readcliffe de Estudos Avançados, da Universidade de Harvard.
Escritora de muitos romances publicados tem como títulos Hibisco Roxo, de 2003, que mostra através da protagonista como a religiosidade extremamente “branca” e católica de seu pai, um rico industrial, inferniza e destrói lentamente a vida de toda uma família; Americanah, de 2013, Adachie parte de uma história de amor para debater questões presentes e universais como imigração, preconceito racial e desigualdade de gênero; já Meio Sol Amarelo, de 2006, enfeixa várias pontas do conflito que matou milhares de pessoas, A Guerra de Biafra, em virtude da guerra, da fome e da doença. Como uma das publicações mais recentes temos Sejamos todos Feministas, de 2014, que nada mais é do que a versão impressa da Palestra que ela concedeu a uma tv americana, cujo vídeo está facilmente disponível no YouTube; nesse ensaio, Adichie parte de sua experiência pessoas de mulher e nigeriana para pensar o que ainda precisa ser feito de modo que as meninas não anulem mais sua personalidade para serem como esperam que sejam, e os meninos se sintam livres para crescer sem ter que se enquadrar nos estereótipos de masculinidade.
            Hoje já é possível ver na mídia uma maior atenção ao cabelo crespo. Já é possível ver o negro representado em propagandas, produtos capilares próprios para cabelos crespos, e a internet se mostra como um importante veículo de discussão sobre questões de gênero, africanidade e identidade. No YouTube podemos encontrar vários Vlog (canais que depositam vídeos sobre determinados assuntos ou assuntos variados), cujas administradoras se reconhecem como “cacheadas”. Nesses canais, é depositado vídeos que trabalham várias questões sobre questões capilares, como transição capilar, auto aceitação, dicas de hidratação, entre outros assuntos. Este se mostra como um meio interessante de valorizar a estética negra, tendo em vista que os vídeos estão disponíveis para serem visualizados por qualquer pessoa. Essas “cacheadas” trabalham bem a valorização dos cachos e crespos, se transformando em meios preciosos de informação, pois “muitas vezes as pessoas são preconceituosas por causa da desinformação. Elas precisam ser reeducadas”.
            Nesse contexto, o cabelo e a cor da pele podem sair do lugar da inferioridade e ocupar o lugar da beleza negra, assumindo uma significação política. O cabelo, os significados do corpo negro são históricos, e da mesma forma que são construídos, suas definições podem ser questionadas. O corpo negro, e junto com ele toda a cultura que o representa, vem ganhando lugar na contemporaneidade, mesmo que de forma ainda tímida, pelas leis, mídia televisiva, propagandas e redes sociais. O mundo conectado permitiu uma maior informação sobre a questão, permitindo também um novo olhar, um olhar de valoração aos traços de uma cultura tão rica e bela, como é a cultura africana. 

REFERÊNCIAS

BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. Brasília, MEC/SEF, 1997.


BURKE, Peter. A Escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.


COUTINHO, Cassi Ladi Reis. A estética dos cabelos crespos em Salvador. 2010. 107 p. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências Humanas, Universidade do Estado da Bahia, Bahia, 2010.

FAGUNDES, Raphaela M. Penteado Afro: Cultura, Identidade e Profissão.


FÉLIX. Sayara de Brito. Cabelo Bom. Cabelo Ruim: a construção da identidade afrodescendente na sala de aula. In: Revista África e Africanidades – Ano 3 – n. 11, novembro, 2010 – ISSN 1983-2354.


GOMES, Nilma Lino. Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Acesso: < http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/Corpo-e-cabelo-como-s%C3%ADmbolos-da-identidade-negra.pdf>


GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?. Acesso: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n21/n21a03>


SCOTT, Joan. Os usos e abusos do gênero. 2012.


SOIHET, Rachel. PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, 2007.


QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. Mulheres Plurais. In: Do Singular ao Plural. Recife: Edições Bagaço, 2006.


QUINTÃO, Adriana Maria Penna. O que ela tem na cabeça? Um estudo sobre o cabelo como




[1] Graduanda em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Piauí-UFPI. Artigo feito como atividade da disciplina Cultura Afro-Brasileira. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID. Teresina-PI, 2015. Email: pablinecx@hotmail.com
[2] FAGUNDES, Raphaela M. Penteado Afro: Cultura, Identidade e Profissão.
[3] FÉLIX. Sayara de Brito. Cabelo Bom. Cabelo Ruim: a construção da identidade afrodescendente na sala de aula.
[4] GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?

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